Durante sua carreira, Wanderlei Silva foi conhecido pela sua franqueza. Seja na trocação com seus rivais, seja nas declarações para a imprensa. Com o anúncio de sua aposentadoria na última sexta-feira, o agora ex-lutador concedeu nesta terça-feira sua primeira entrevista após pendurar as luvas em bate-papo de quase uma hora com a reportagem do Combate.com, em um hotel em Niterói (RJ), pouco depois do anúncio de sua punição pela Comissão Atlética de Nevada (NSAC), que o baniu de lutar no estado.
Entre um desabafo aqui e uma piada ali, Wanderlei evitou citar nomes, seja do UFC, de dirigentes ou lutadores.
- Não quero ser processado.
Wanderlei Silva quer investigações sobre a comissão de Nevada: "Parece um circo" (Foto: Raphael Marinho)
Mesmo assim, seus alvos eram claros: além do Ultimate, não faltaram críticas para Dana White, que "quer aparecer sem levar um tapa na cara" e até mesmo uma alfinetada em Vitor Belfort na hora de detonar a Comissão Atlética de Nevada enquanto defendia - acreditem! - Chael Sonnen.
- A gente não sabe o que está por trás desta comissão, porque na mesma audiência que puniram o Sonnen, tinha outro atleta que testou níveis altíssimos de testosterona em fevereiro e foi liberado para disputar o cinturão em dezembro. Os dois tinham o mesmo número de incidências. O mesmo caso. Um é banido e outro liberado pra lutar. Temos que saber quem está regulando essa comissão, quem controla, porque parece um circo. Fazem o que querem e vamos reclamar com quem? Ninguém sabe quem controla a entidade - detonou.
Com planos de ajudar projetos sociais e criar o seu próprio no Brasil, Wanderlei declarou que os problemas com a NSAC tiraram até mesmo sua vontade de treinar. Ele ainda revelou que atualmente tem problemas de memória, além de dores em outras partes do corpo, criticou os empecilhos que o Ultimate coloca para que os lutadores consigam patrocínios e disse que, se for indicado para fazer parte do Hall da Fama do UFC, irá recusar.
Confira a entrevista com Wanderlei Silva:
COMBATE.COM: Como recebeu a decisão da Comissão Atlética de Nevada, que te baniu de lutar no estado e o multou em US$ 70 mil?
Wanderlei Silva: Eu nem vi ainda. O negócio acabou de acontecer, não estou sabendo de nada, estou por fora. Não sei ainda que decisão vou tomar.
Em entrevista recente, você pareceu animado sobre a
possibilidade de enfrentar o Luke Barnatt, após ver algumas provocações
do inglês. Chegou até mesmo a dizer que seria dinheiro fácil. Há quanto
tempo você passou a pensar na aposentadoria?
Começou há pouco tempo. O caminho que o esporte está tomando agora não
me agrada mais. A linha que está sendo tomada, visando lucro em cima dos
atletas, é um desrespeito total. Esse negócio de você ter que entrar
com ações na Justiça é um absurdo. Ter que se defender como se fosse um
criminoso. Isso nunca existiu no esporte. Denigre a imagem do esporte.
Isso tirou minha vontade de lutar. O (Georges) St-Pierre mesmo disse que
perdeu a vontade de lutar, e eu também. Como está o esporte, não
estamos sendo respeitados como deveríamos e não está me agradando.
Foi muito difícil tomar essa decisão?
Foi muito difícil. Tenho muitos anos de carreira, todo um legado e o
que mais me chateou foi esse povo vir agora e querer jogar meus fãs
contra mim, falando determinadas coisas ao meu respeito que eles nem
sabem. Esse novo rumo do MMA me preocupa muito, porque a qualidade dos
eventos está baixando, o público diminuindo, o pay-per-view caindo
muito. Acho que o MMA atingiu o ápice e agora está entrando em um
declínio muito grande. Quem fez o pé de meia fez, mas não sei se quem
não fez vai conseguir fazer, ou se o esporte vai começar a cair.
Esse é o momento mais difícil da sua carreira?
Com certeza. É o momento mais difícil, muito difícil para mim. Chegar
na idade que estou, com tantas oportunidades aparecendo e não poder
continuar lutando, não sentir mais aquela vontade, aquela gana... Quando
perde-se a vontade, não tem mais como você fazer. Foi uma decisão muito
difícil, refleti muito, mas no momento não dá mais.
E como foi a conversa com a sua família na hora de falar sobre sua decisão de parar?
Minha família deu apoio total. É um esporte perigoso, onde você
realmente pode se machucar. Deus me ajudou, me protegeu para não ter
nenhuma sequela, nenhum dano mais sério. Acho que sequelas, quem tiver,
vão aparecer ainda. Ninguém sabe se vai dar dano na cabeça dos caras ou
não. Quero saber se os eventos que pagam tão pouco para os atletas, se,
no futuro, vão ajudar de alguma forma. Algumas coisas não estão bem
claras. O percentual destinado aos atletas é muito pouco. A gente não
sabe nada. Quanto eles ganham? Quanto gera? Tem muitas coisas que estão
revoltando os atletas. Outra coisa que me deixa chateado, e o público
não sabe: se a empresa quiser te patrocinar, tem que pagar para o
evento. Paga US$ 50 mil (cerca de R$ 120 mil) para o evento e depois
patrocina você. Só que o dinheiro que paga para o evento, fica pra eles.
Não é destinado aos atletas. Isso é um absurdo. Tem que pagar pra
colocar patrocínio em alguém? Estão tirando todo o ganho do atleta. E
parece que até isso estão querendo tirar agora. Querem uniformizar os
atletas, criar um time branco e outro amarelo. E o atleta vai ganhar o
que? Esses US$ 4 mil (R$ 9,6 mil) que querem pagar para lutar? Um roubo!
Estão ganhando rios de dinheiro, nos difamando, então está na hora de
nos levantarmos para mostrar a verdade também.
É um fim de carreira que provavelmente não é da forma que você
imaginou. Qual o peso dessa confusão com a NSAC para você tomar essa
decisão?
O que mais pesou é o direcionamento que o MMA está tomando agora, o
desrespeito com os atletas. Está virando um "freak show". As
organizações jogam um atleta contra o outro, aí não querem pagar nada
pro cara. O cara se recusa a lutar, vai o dirigente do evento, que às
vezes quer aparecer mais que os atletas. Isso é uma baita vergonha. O
cara não leva um tapa na cara e quer aparecer mais que os atletas. Um
almofadinha que nunca botou a cara pra bater chega e fala: "Você é bom.
Ele não quis lutar com ele. Ele está amarelando". Não, ninguém amarela
para ninguém. Todo mundo que sobe no ringue merece respeito,
reconhecimento, e não estamos tendo. Ainda querem jogar nossos fãs
contra a gente. O cara faz uma declaração e tem gente que acredita. "O
cara já não é mais o mesmo. Não quer lutar com o outro". Mas não é isso.
Os caras não querem pagar. Querem pagar uma merreca. Aí você pede mais,
eles falam que não têm dinheiro. Como não tem? Dinheiro tem, mas não
querem pagar. Aí falam que o cara está amarelando? Isso é uma coisa que
está me chateando.
Quem são os almofadinhas?
Os almofadinhas são os que aparecem na televisão dando entrevistas,
querem aparecer mais que os atletas. No final do evento, aparece
falando: "Você luta bem. Você lutou mal, então é uma porcaria". Quem são
eles para julgar? Porque o atleta, para se preparar, para ter bom
desempenho, tem que ter dinheiro. Como vai se preparar para lutar como
profissional se tem gente que luta e ainda tem que trabalhar fora? Se
vocês querem performances melhores, paguem mais que vocês vão ter.
No vídeo de anúncio da aposentadoria, você disse que sofre com
muitas dores pelas lesões que teve no passado. Já foi forçado a lutar
lesionado?
Forçado não, mas quando você assina um contrato, naquela data tem que
estar pronto. Nessa agora (quando enfrentaria o Sonnen), eu não me
sentia pronto, não ia ter como. Tomei medicamentos fortíssimos pra poder
treinar. Forçar, a gente não é forçado a nada diretamente. Mas se você
chega e não acata todas as decisões das organizações, o cara vai nas
televisões e fala: "Ele não quer lutar por causa disso. Ele é um
frouxo." Então é uma coisa que você não é forçado diretamente, você é
forçado indiretamente.
E você sente dores constantemente no seu cotidiano?
Tenho umas lesões que não se curavam, mas em virtude dos anos de
trabalho. Uma coisa que quando você aceita, tem que saber que pode
acontecer. Acho que os eventos deveriam pensar no atleta e falar: "Olha,
no futuro vai ter gente que vai poder se cuidar e gente que não vai". E
quem não puder se cuidar? Vai ser chamado de bunda mole? Vai voltar a
dar aula, trabalhar de segurança? Depois de uma carreira de tensão,
pressão, preocupação, dor, tanto trabalho, ter que voltar para um
trabalho comum? É uma coisa muito difícil. Acho que os atletas deveriam
pensar e saber que vai existir algo depois de tudo isso. E como vai ser
depois? Para uns vai ser de um jeito, para outros vai ser de outro.
E que dores você sente?
Eu tenho uns problemas que não sei se serão problemas. Algumas coisas
na cabeça, esqueço as coisas, não posso girar muito que meu cérebro dá
uma pane. Tenho dor nos pulsos, nas costas. É que meu estilo de luta é
muito diferenciado. Do pessoal que luta, sempre fui o mais extremo, o
mais "kamikaze". Por isso que esse pessoal que é louco por luta, são
meus fãs. Se identificam. Quando entro ali, não tem essa, não entro para
me preservar. Isso é decorrente do meu estilo de luta. Por ser assim,
aceitei os riscos para fazer o show que meus fãs querem, para ter meus
fãs comigo. O que não admito é que tirem meus fãs agora. Que venham
dizer que sou isso e aquilo. Eu sei quem eu sou, meus fãs sabem quem eu
sou, então me deixem quieto. Não mexam comigo.
Você acha que essa pressão que é feita para os atletas lutarem é responsável por tantas lutas caírem em cima da hora?
Em todo evento de luta, vocês estão vendo que os atletas não estão
conseguindo lutar. Muita gente se machucando porque é muita pressão.
Chegou no dia, tem que estar pronto. É culpa de quem? Dos dirigentes do
evento. Culpa deles, que não sabem levar os atletas. Os caras não
promovem os atletas, aí os que têm um pouquinho de nome, vão tendo que
lutar de maneira seguida, e isso é um absurdo. Como eles fazem isso?
Pagam pouco ao cara, assim ele tem que lutar mais. Se o cara ganha mais,
poderia lutar em um espaço mais cadenciado. A máquina quebra, não tem
como. Não dá para lutar tantas vezes seguidas e achar que não vai ter
uma lesão mais séria. Tanto que está acontecendo, o povo está se
quebrando, se machucando. O futuro dos lutadores não vai ser fácil. Eu
converso com muitos atletas e no decorrer dos anos os caras estão
mudando no jeito que falam e se comportam. Todos reclamam de dor aqui e
ali, tem cara que está ficando louco. Ninguém sabe a consequência de
tanto soco na cabeça, o que vai dar no cara no futuro. Aí um cara
aparece louco e falam que o cara era assim. Não era. O esporte tem parte
disso e o futuro vai mostrar que eu estou certo.
Se você fosse dono de um evento, o que faria pra evitar que isso acontecesse?
Tem que ter, principalmente, cuidado com o atleta. Não pode colocar
tanta pressão. Como funciona hoje em dia? Se você lutar bem, você é
reconhecido, falam bem de você, mas se luta mal, você é uma porcaria,
não presta, é escorraçado, mandado embora. Essa pressão de ter que
ganhar faz o cara treinar de uma maneira que é desumana, porque ele está
com a água batendo na bunda. Esse monopólio que tem sobre o esporte, se
você cria uma situação de monópolio, tem que pagar por ele. Não pode
usar para oprimir toda uma classe, pagar pouco e escorraçar os caras.
Somos nós que fazemos o show. Não existe evento sem lutador. Na hora que
nos unirmos, falarmos como vai ser, aí a coisa vai mudar. E vai ser bom
para o esporte. Ainda está muito amador. A maioria dos atletas não tem
uma escolaridade boa. E quando chega no evento, não tem como chegar
pedindo alguma coisa. Você chega pedindo pelo amor de Deus por uma
oportunidade, aí eles se aproveitam. Colocam contra quem quiser, pagam o
que quiserem e até o cara criar um pouco de nome, é tratado como lixo.
Você ainda tem contrato com o UFC?
Eu tenho contrato. Eles quiseram renovar há pouco tempo, mas eu já
disse que não quero. Quero rescindir. Não trabalho mais com essa
organização e, pelo UFC, eu não luto nunca mais.
E o que precisa para rescindir o contrato?
Não sei, mas não quero mais. Para mim, não interessa mais isso. Não
luto por eles e não luto por ninguém. Essa organização não me tratou
como deveria. Não só eu, é que os atletas não podem falar. Eu falo
porque, graças a Deus, ganhei um bom dinheiro no Japão, fui inteligente
com meu dinheiro e posso falar. Não dependo deles para nada. Nem deles,
nem de ninguém. O que eu falo é o que todo mundo pensa. Não pagam nada
para ninguém. Me diga cinco caras que estão ricos. O Anderson (Silva)
deve estar rico, o St-Pierre ficou rico, mas quem mais? Não tem mais
ninguém. Ninguém está ganhando dinheiro com esse esporte. Os caras
enchem o bolso de dinheiro. Não sou contra isso. Se fazem o evento,
quero mais que eles ganhem. Mas tem que pagar bem seus empregados. Se
você paga como amador, como vai querer exigir uma performance de
profissional?
Passa pela sua cabeça fazer uma luta de despedida pelo menos, ou é uma despedida sem volta?
Nesse momento, não tenho intenção nenhuma de voltar a lutar. Estou sem
vontade nenhuma. Não consigo subir no tatame para treinar. Nem continuar
treinando luta, estou conseguindo. Tudo que aconteceu me afetou muito e
estou tentando passar por tudo isso para tentar ter uma vida normal.
O que seria uma vida normal para você? O que pretende fazer?
Quero continuar trabalhando na difusão do esporte, passar minha
experiência, meus ensinamentos e tudo que passei na vida para os novos
atletas. E espero que esses novos atletas não passem por tudo que
passei. Quando você é discriminado, é punido de maneira injusta. Os
líderes vêm de uma revolta. O cara revoltado se levanta. Não tenho
porque estar fazendo isso, tenho meu dinheiro, não preciso de ninguém,
mas não quero que isso aconteça com mais ninguém. Do jeito que anda, os
caras estão acabando com esporte. É o que amo, sou apaixonado por luta,
sou louco por luta. Não consigo mais praticar porque estou desgostoso,
mas gosto de luta, senão não tinha chegado onde cheguei. Vendo esses
caras fazerem isso com os coitadinhos que estão aí, tratando desse
jeito, o cara subir lá, dar o sangue, se matar e chega no fim do evento,
vem um almofadinha e fala que o garoto não vai ganhar nada? Isso é um
absurdo. Um campeão invicto, um dos melhores peso por peso do mundo,
esse cara mesmo tinha falado isso: "Ele é um dos melhores lutadores do
mundo" e chega no evento e não ganha nada? É um absurdo.
Mas se você reverter a sua punição na Justiça e a vontade de lutar acabar voltando, lutaria por outro evento?
Isso não está acontecendo por punição nenhuma. Eu não tenho mais
vontade. O "se" não existe. Se minha mãe fosse homem, eu não tinha
nascido (risos).
Você ganhava pouco para lutar no UFC?
Não sei. Se for falar de números, quero saber de todos os números. Não
quero saber só quanto eu ganho, quero saber quanto todo mundo ganha.
Ganhava um salário bom, mas quero saber quanto o evento estava ganhando
também. Qual a porcentagem destinada? Não é só quanto o cara ganha.
Queremos saber o montante total e a porcentagem que estão deixando para
os atletas.
Como vê essa diferença nas bolsas dos atletas? Temos o caso do
Urijah Faber, que nunca foi campeão, mas tem a bolsa maior que a do
Renan Barão.
É um bom exemplo. O Barão ficou 32 lutas invicto, campeão absoluto,
melhor peso por peso do mundo. Não vou falar de valores, mas me falaram
que até pouco tempo atrás o Barão morava na favela. Vi uma foto do Barão
com ele em um beliche, um colchão de espuma e o cinturão do UFC. Se eu
fosse dono do evento, teria vergonha de pagar isso para um atleta e
cobrar alguma coisa do cara. Ainda chegar no evento e chamar de garoto.
Esses caras são safados de chamarem um atleta assim. E vai reclamar com
quem? Não tem como. Os caras não tem voz. Mas isso não vai ficar assim.
Do Wanderlei de dentro dos ringues, qual o balanço que faz da sua carreira?
Acho que eu consegui realizar todas as lutas que gostaria, menos a
última, com o Sonnen. Quem sabe na próxima vida. Inclusive, essa punição
dada a ele é uma baita injustiça. A gente não sabe o que está por trás
desta comissão, porque, na mesma audiência que puniram o Sonnen, tinha
outro atleta que testou níveis altíssimos de testosterona em fevereiro e
foi liberado para disputar o cinturão em dezembro. Os dois tinham o
mesmo número de incidências. O mesmo caso. Um é banido e outro liberado
pra lutar. Temos que saber quem está regulando essa comissão, quem
controla, porque parece um circo. Fazem o que querem e vamos reclamar
com quem? Ninguém sabe quem controla a entidade. Eles não respeitam as
próprias leis deles. É complicado. Ninguém sabe o que está acontecendo,
quem gerencia, quem está por trás.
(NOTA DA REDAÇÃO: Belfort e Sonnen foram flagrados em exames antidoping
surpresa, mas por substâncias diferentes; o brasileiro foi flagrado com
níveis de testosterona acima dos permitidos pela comissão em fevereiro,
enquanto o americano foi pego com cinco substâncias proibidas em seu
organismo - EPO, GH, clomifeno, anastrozol e hCG - em dois exames
diferentes).
Acredita que exista influência do UFC sobre a comissão para garantir os interesses da organização?
Não sei. É só vocês analisarem. Como um atleta é banido e outro
liberado pra lutar? São dois pesos e duas medidas? Não existe isso. Mas,
se fosse fazer um balanço da minha carreira, tive uma carreira muito
boa, lutei com todos os atletas que gostaria, fui campeão mundial por
seis anos, uma das maiores carreiras invictas no meio da luta, tenho o
respeito de todos os fãs, de todos os lutadores. Você vê as novas
lendas, eles me veem, dizem que se inspiraram em mim, que cresceram me
vendo lutar. Você ser inspiração para caras tão bons assim, acho que não
existe honra maior que essa. Quantas mensagens recebi de caras falando
que começaram a treinar por minha causa, que mudei a vida deles com
alguma atitude? Esse legado que você deixa é a contribuição para a
humanidade. É meu maior troféu, minha vitória, estou muito feliz de
poder melhorar a vida dos meus fãs e das pessoas que me seguem.
No UFC, você acabou tendo mais derrotas do que vitórias. Por
que acha que não conseguiu manter o mesmo rendimento da época do Pride?
Minhas performances no UFC foram muito boas. Nas três últimas lutas,
ganhei três bônus de Luta da Noite. Foram performances emocionantes, meu
público está sempre emocionado, sendo que, na minha última luta, que
foi a de despedida, ganhei dois bônus. Luta da Noite e Nocaute da Noite,
contra um cara mais novo, maior e mais pesado que eu, que era tido por
alguns como favorito. A emoção que consegui passar para meus fãs é uma
coisa muito além de vitória e derrota. Por isso que te digo: me
perguntam sobre as vitórias, mas número é número. O que vale é a emoção.
É isso que estou falando. Temos que fazer o atleta chegar lá e lutar
como quiser. Ele não pode pensar: "Mas se eu perder vou ter mais derrota
que vitória". Temos que ver a performance, a emoção do povo, porque
isso que vale.
Agora que você anunciou a aposentadoria, do que mais vai sentir falta?
Boa pergunta. Não estou pensando muito no que vai faltar, estou
aproveitando os novos benefícios, porque agora tenho fila preferencial,
desconto na farmácia, estou pensando em um plano de previdência privada,
desconto no viagra. Mentira. Não tomo ainda não. Só meio. Não, mentira,
é brincadeira (risos). Tenho que pensar nos benefícios, não nos
prejuízos.
Você começou no vale-tudo, chegando a lutar sem luvas no início. O que acha da evolução do MMA até aqui?
Uma evolução muito boa. Ainda bem que conseguimos colocar regras,
tempo, dignificar o esporte, mas infelizmente agora está tendo um
retrocesso. Chegou no topo, cresceu, regularizou, mas agora a máquina
está oprimindo o lutador e estamos em declínio. Declínio na qualidade
das lutas, dos fãs que estão insatisfeitos. Termina o evento e o cara
fala: "Mas que evento de m...! Que lutinhas porcarias!" Os mesmos fãs
que vieram, são os mesmos que daqui a pouco estão indo embora. É muito
difícil agora ver clássicos. Não tem mais clássicos, porque os caras em
vez de puxar as lendas, Minotauro, Minotouro, casar lutas boas, os caras
não querem colocar a mão no bolso, pagar bem. E quando alguém não tem a
performance que eles desejam, eles derrubam. Têm que pegar todos os
grandes nomes e ver no que vai dar. Não estão conseguindo criar novas
lendas como antigamente. Estão derrubando antes de conseguir chegar no
seu ápice. Estou muito triste de não ver um futuro tão bom quanto
gostaria para o nosso esporte.
Na sua opinião, em que momento começou esse declínio?
De um tempo pra cá. Quando o promotor quer aparecer mais que os
atletas, é um grande perigo. Tem que dar luz para quem faz o show, não
pode querer luz sem tomar um tapa. Tem que promover o evento, fazer o
que tem que fazer, mas não pode aparecer mais que o atleta. Senão entra
nesse declínio que está acontecendo agora. Começou há um pouco de tempo.
Não sei uma data exata, mas vocês podem ver os números. Não está
despertando o interesse que despertava antigamente.
Sente que recebe o reconhecimento que deveria pelo papel que desempenhou dentro do esporte?
Pelos meus fãs sim. Eles sabem disso. Se tudo isso serviu para algo
bom, foi para ver que os fãs estão comigo. Quem é meu fã, me levanta em
qualquer situação. Estou sendo desvalorizado, agora que estou para sair
do evento, por esses caras que querem me denegrir para eu sair fraco,
mas estão enganados. Estou mais forte do que nunca. Nunca tive tanto
apoio e a coisa vai começar a mudar.
Você disse que não quer voltar, mas e se rolar uma campanha dos seus fãs na internet?
Se tiver e me balançar, vocês vão saber. Mas agora, hoje, neste momento não. Futuro, ninguém sabe.
Faltou realizar alguma coisa no MMA?
Fiz tudo o que queria. Faltou só o Sonnen, mas lutamos indiretamente, né (risos)? Fora essa luta, realizei tudo que gostaria.
E daqui para frente? Pensa em trabalhar como treinador ou até mesmo seguir uma carreira política, como você já cogitou?
Não, meu foco é difundir o esporte. Passar minha experiência pra
frente. Vou pesquisar projetos sociais sérios, tive contato com o
"Faixa-Preta de Jesus" aqui no Rio, o Minotauro disse que é sério, que
eles fazem trabalho direito, então vou usar minha influência para
conseguir doações para os projetos, empresários que queiram ajudar o
esporte. Quero identificar projetos sérios e, na sequência, eu mesmo
crio um projeto para poder ajudar de maneira direta a quem não pode
treinar e colocar o esporte na vida, porque a educação do jovem é
esporte e escola.
Esse projeto seria aqui no Brasil mesmo?
Sim. Eu iniciei um projeto social na América, mas o carente de lá quer
trocar o IPhone, o Nike dele. Quero fazer para o cara que anda descalço,
que está fumando crack. Ontem (segunda-feira) passamos no centro de
Niterói e tinha uma rodinha com 10 guris cheirando cola. Que pecado, que
tristeza que me dá no coração de ver isso. Quero usar essa força para
direcionar todo esse poder para ajudar essa rapaziada que precisa, para
dali saírem outros Shogun, Minotauro e Wanderlei.
Falando neles, essa geração da qual você faz parte já está na
reta final da carreira e o Brasil parece passar uma entressafra. Quais
os nomes que vão ficar pra substituir vocês?
É uma entressafra, mas temos muito bons lutadores. Temos uma próxima geração que vai trazer alegria. O Rafael dos Anjos
logo vai disputar o cinturão e acho que tem grandes chances de ganhar, o
(Fabricio) Werdum vai trazer o cinturão para o Brasil, o (José) Aldo
vai seguir campeão e boto fé no (Ronaldo) Jacaré. Acho que ele é nossa
próxima promessa e vai ser o campeão. De uma hora para outra, vamos dar
essa reviravolta e trazer esse cinturão para o Brasil. Logo, logo, a
roda vai girar.
Na sua carreira você teve grandes rivais. Trilogia com
Sakuraba, com Rampage, fez uma luta contra o Chuck Liddell que marcou...
Para você, quem foi o seu maior rival?
Acho que o maior realmente foi o Rampage. O que mais discuti, me
estressei, empurrei e o cara deu uma demonstração de humildade que o
negão me ganhou. Posso falar de negão porque tenho avô negão, todo mundo
tem sangue negão. É uma ignorância querer ser racista no Brasil, todos
viemos do mesmo lugar. Mas voltando, ele postou uma foto mostrando
admiração, me ganhou, mostrou que a rivalidade ficou ali. Isso é
respeito, é hombridade. Ações como essas merecem ser enaltecidas.
Qual a luta que mais te marcou?
A minha luta com o Chuck Liddell. Eu perdi por pontos, mas foi uma das
lutas que mais gostei de fazer. Cara duro, batia forte, aguentei ele,
dei knockdown no segundo round e fizemos uma luta impressionante. E
também minha luta com o Brian Stann, cara duríssimo e foi uma das minhas
melhores apresentações. Para mim foi um "gran finale".
E a luta mais difícil da carreira?
A segunda luta com o (Mirko) Cro Cop, que tive uma lesão séria no olho
no meio da luta e fui nocauteado no segundo round. Depois daquela luta,
fiquei mal. Acho que foi o mais próximo da morte que cheguei até hoje na
minha vida.
Um outro rival seu, o Sonnen, que você disse que é uma luta que
te faltou, fez muitas provocações a você dizendo que suas lutas no
Japão eram armadas. Agora, depois de seu anúncio de aposentadoria, ele
escreveu que sua carreira foi digna de Hall da Fama. O que achou disso?
Hombridade. Eu não cheguei a conversar com ele, mas dizem que é gente
boa. Como já falei, foi injustiçado por essa comissão. Acho que não tem
como você punir um e não punir o outro. Ou pune todo mundo ou não pune
ninguém. Pior ainda que essa organização aí, o cara se dizia muito amigo
dele e mandaram embora da televisão. Cortaram da luta, mandaram embora
da TV e queriam proibir de competir no jiu-jítsu. Então ele não pode
mais trabalhar? E as contas, vão pagar para ele? Vão ajudar? Ninguém
ajuda ninguém. Os caras usam a gente, fazem o que querem e dão um chute
na bunda. Isso vai acabar.
Tem vontade de entrar no Hall da Fama?
Não tenho necessidade nenhuma. Acho que o Hall da Fama quem faz são os
fãs. Dessa organização, não quero mais nada. Se me derem, eu não aceito.
Meu Hall da Fama são meus fãs.
Além da luta com o Sonnen, faltou mais alguma? Talvez a revanche com o Vitor...
Também seria interessante. São três lutas que queria ter feito: mais uma com Dan Henderson, a luta com Belfort e essa com Sonnen. Não fiz, mas 49 lutas está de bom tamanho.
No vídeo, você deixou claro que vai ficar de olho no UFC. Mas que atitudes você pretende tomar de fato?
Por enquanto, mostrar para o público, por exemplo, esse negócio dos
patrocínios, que muita gente não sabe. Esclarecer para os fãs, mostrar
que esse evento não faz o que fala. Não só esse evento, mas todos que
tiverem algo errado. Com isso, vou tentar o apoio de todos os atletas
para que a gente se una e pressione o evento para dar dignidade para a
gente. Essa geração tem que ter mais atletas ricos no futuro. Não tem
ninguém rico. Tem meia dúzia que podemos dizer que vivem bem...
Como o Wanderlei, por exemplo?
Eu estou bem, cara. Mas porque vivi abaixo do que ganho em toda a minha
vida. Se eu quisesse viver como a estrela que o pessoal acha que eu
sou, não daria. E agora quem me liga pra saber se tenho conta? Se estou
precisando de algo? Ninguém.
Para encerrar, quer deixar algum recado?
Acho que tenho uma veia de querer justiça que estou descobrindo agora.
Estou vendo que a credibilidade que construí na carreira pode ser usada
para que novos lutadores não passem pelo que passei e assim eles possam
ter uma qualidade de vida melhor, para eles e para a família deles.
Quero que a dignidade venha para o nosso esporte. Esse é nosso foco.
Usar nossa influência para alguma coisa. Se o cara usa o poder dele só
para ganhar dinheiro, é muito pouco. Tem que pensar no bem do próximo,
ajudar o outro no que puder. Agradeço aos fãs pelo carinho, vocês são a
razão de eu ter chegado até aqui e aguentado tudo que aguentei na minha
vida. Nesses 25 anos de carreira, a única coisa que ficou foi o aplauso
de vocês, o incentivo de vocês. Muito obrigado por tudo que fizeram por
mim. Esperem que novas notícias vão aparecer e vocês vão ver muito o
Silva em ação ainda, se Deus quiser.
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